sábado, 3 de maio de 2014

Caminho de terra e mar



Caminho de terra e mar, suspenso sob um céu azul intenso, ar pleno e táctil, quente do sol e salgado do mar. Caminho sem me sentir, os pés não tocam no chão. Estico-me para sentir a maciez da terra, evitando as rochas e os arbustos que teimam em crescer e roubar espaço às rochas, impávidas e seguras do tempo que as faz eternas.
Zumbidos ecoam ao longe, exércitos pacíficos de gaivotas vão e vêm à minha frente e quase consigo tocá-las na ilusão de com elas sobrevoar o mar e poder abandonar-me ao seu destino.
Gaivotas sábias que amam o mar e o mar lhes chega para serem felizes. Que imensidão azul se estende lá em baixo, tão grande que assusta e conforta, porque tanta beleza só pode ser magia ou ilusão, não fosse o cheiro a sal e a maresia que nos invade, nos sufoca e nos faz sentir a vida.
As pedras estão mornas, cheias do pôr-do-sol, consigo sentar-me e fico parada até me doerem os ossos, os músculos e cada célula do meu corpo. Mas não me mexo, não consigo, estou imóvel, presa por mim, condenada a tanta beleza.
Adormeço. E o mar foge. Desaparece. Está perto mas não o vejo. Quero chegar à praia, mas vejo-me criança, deitada numa rede sob os pinheiros. A minha mãe faz crochet ali perto, o meu pai joga às cartas com os amigos. E eu só quero crescer, ter uma vida de adulta, poder decidir quando vou ver o mar, sem esperar por ninguém. E o tempo demora, cruel.
Agora aprendi que o tempo atraiçoa. O mar parece igual, mas o tempo corre, deixa-nos para trás. Ilude-nos. Contudo no caminho de terra e mar, entre a terra e o mar, sou eu quem decide.
E escolho o mar.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Bola de sabão


De que cor são os teus sonhos, meu amor?
Quando te deitas nos lençóis brancos da indiferença
E me sonhas adormecida no vulto que sentes ao teu lado?
Azul é o brilho da memória do teu sonho
Mas tu não sabes que é assim que te recordo
E ficas imóvel, suspenso, para não romperes o sonho
Bola de sabão de mil cores, leve e bela
Que proteges da realidade com coragem,
Teu refúgio frágil e feliz!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Silêncio

O barulho do mar vive nas rochas, no azul do céu e no ondular das marés
Eleva-se, espalha-se, sobrepõe-se sublime ao ruído da solidão,
Vazio feito dos silêncios cheios dos momentos que se perderam,
Num olhar ou num sorriso triste que não se viveu
Numa mão que não se fez gesto
Num abraço que não nasceu do carinho que assim se escondeu


O que existe para além de mim e para além de ti
Que outros rumos nos esperam, pacientes,
Tão certos de nós, que nos esquecemos deles
O que fazer com todo o tempo que perdemos e com todo aquele que há-de vir
Porque nos perdemos de nós e nos esquecemos um do outro?
Como nos perdemos um do outro, sem sabermos de nós?

domingo, 23 de maio de 2010

Mergulho azul

Mergulho no azul anil salpicado de violeta, transparentes cores, véus ondulantes de frescura, enquanto o oxigénio se liberta em mil bolhas minúsculas e sobe rumo ao céu azul do outro lado desta cor imensa que me deixa flutuar, num voo de criança.
Sinto o calor concentrado dentro de mim, afastar-se do sol que mo pôs na pele, rendido à frescura azul que me rodeia, plena de cheiro, de sabor e de mar.
As bolhas, tantas, tão transparentes dentro desta transparência azul imensa, sobem, libertas, procuram o sol e o ar a que pertencem.
Enquanto o meu corpo se relaxa e deixa a frescura vencê-lo, todos os poros se abrem, em rendição ao azul da primeira conquista, feita de arrepios e paixão.
E quando por fim procuro o ar que me falta e sigo o sol, as gotas brilhantes sobre a pele, resplandecem cúmplices de brilho e sabor, cobrem-me com um véu de múltiplos reflexos e eu sou apenas um ser de cristal, sal e mar, feita rainha.

domingo, 11 de abril de 2010

Sonhos redondos

Sonhos redondos e infinitos
Imitam o mundo redondo, lindo, azul, imenso
Trazem-nos dias líquidos de cores suaves
Rendilhados em filigranas húmidas de véus brancos
Feitos de nuvens e da espuma do mar
Gotas que se evaporam suavemente por entre os dedos de uma mão aberta
Pronta para dar e receber
Sonhar é abrir o peito e deixar o coração sair
Papagaio de papel, voador, aventureiro
Redondo e infinito, lindo, azul, imenso e livre
É aumentar o querer, torná-lo maior que o desejo
E acreditar que o mundo inteiro é nosso
E roda a nosso bel-prazer só porque queremos

terça-feira, 9 de março de 2010

Foi sem querer

Não sei quando foi que desisti de ti, foi sem querer, sem sentir. Foi brisa que passou por mim e te levou consigo, suavemente. Onda que te escondeu na sua espuma, sem forma aparente que te denunciasse, para que eu te salvasse. Sem resistência. Foste.
Gostaria de pegar na tua mão e levar-te comigo à descoberta do que fica para lá da linha do horizonte, mas não posso obrigar-te a dares-me a mão, nem tão pouco garantir o que juntos lá encontraríamos. Apenas gostaria de o descobrir contigo.
O tempo é inimigo do querer, passa independente, sem acção nossa para que ele avance. Não depende de nós, não se prende a um desejo, ignora-nos. Limita-se a passar por nós e segue sozinho.
Não sei se foi o tempo que trouxe o desalento, não sei se foste tu, ou se fui eu que simplesmente desisti. Como uma onda chega e alisa a areia revolta, tu chegaste e alisaste as rugas do meu sentir, fizeste de mim tábua rasa, criança inocente, folha branca à espera do teu escrever.
Mas o tempo passa e faltam-te as palavras e a vontade. A folha amareleceu com o tempo, a areia é fustigada por ventos e ondas e tem de ganhar novas formas.
Sem querer, o presente faz-se passado. E hoje não espero mais por ti.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Não

O não é uma palavra redonda, fechada, pequena e o mundo lá fora é tão grande! O não fecha-me a boca, desliga-me a mente e apaga-me o coração. Quantos nãos são precisos, quantas lágrimas têm de morrer a meus pés para me acordar para a vida, me espicaçar, me fazer gritar “basta” do alto do meu ser absoluto e soberano que se impõe por sobre uma cascata de nãos, repetidos nãos, tristes nãos, cobardes nãos? Quanto esforço desumano para transformar mil nãos num pequeno sim, tímido, mas que se faz forte, pequena luz nascida da força que me vem dos nãos ouvidos, vividos, sofridos numa vida que se faz de busca e de coragem do sim! Quantos nãos! E para quê, se o sim é tão mais fácil e tão mais feliz do que o não?