Caminho de terra e mar, suspenso
sob um céu azul intenso, ar pleno e táctil, quente do sol e salgado do mar.
Caminho sem me sentir, os pés não tocam no chão. Estico-me para sentir a maciez
da terra, evitando as rochas e os arbustos que teimam em crescer e roubar
espaço às rochas, impávidas e seguras do tempo que as faz eternas.
Zumbidos ecoam ao longe,
exércitos pacíficos de gaivotas vão e vêm à minha frente e quase consigo
tocá-las na ilusão de com elas sobrevoar o mar e poder abandonar-me ao seu
destino.
Gaivotas sábias que amam o mar e
o mar lhes chega para serem felizes. Que imensidão azul se estende lá em baixo,
tão grande que assusta e conforta, porque tanta beleza só pode ser magia ou ilusão,
não fosse o cheiro a sal e a maresia que nos invade, nos sufoca e nos faz
sentir a vida.
As pedras estão mornas, cheias do
pôr-do-sol, consigo sentar-me e fico parada até me doerem os ossos, os músculos
e cada célula do meu corpo. Mas não me mexo, não consigo, estou imóvel, presa
por mim, condenada a tanta beleza.
Adormeço. E o mar foge.
Desaparece. Está perto mas não o vejo. Quero chegar à praia, mas vejo-me criança,
deitada numa rede sob os pinheiros. A minha mãe faz crochet ali perto, o meu
pai joga às cartas com os amigos. E eu só quero crescer, ter uma vida de
adulta, poder decidir quando vou ver o mar, sem esperar por ninguém. E o tempo
demora, cruel.
Agora aprendi que o tempo
atraiçoa. O mar parece igual, mas o tempo corre, deixa-nos para trás. Ilude-nos.
Contudo no caminho de terra e mar, entre a terra e o mar, sou eu quem decide.
E escolho o mar.