quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Silêncio

O barulho do mar vive nas rochas, no azul do céu e no ondular das marés
Eleva-se, espalha-se, sobrepõe-se sublime ao ruído da solidão,
Vazio feito dos silêncios cheios dos momentos que se perderam,
Num olhar ou num sorriso triste que não se viveu
Numa mão que não se fez gesto
Num abraço que não nasceu do carinho que assim se escondeu


O que existe para além de mim e para além de ti
Que outros rumos nos esperam, pacientes,
Tão certos de nós, que nos esquecemos deles
O que fazer com todo o tempo que perdemos e com todo aquele que há-de vir
Porque nos perdemos de nós e nos esquecemos um do outro?
Como nos perdemos um do outro, sem sabermos de nós?

domingo, 23 de maio de 2010

Mergulho azul

Mergulho no azul anil salpicado de violeta, transparentes cores, véus ondulantes de frescura, enquanto o oxigénio se liberta em mil bolhas minúsculas e sobe rumo ao céu azul do outro lado desta cor imensa que me deixa flutuar, num voo de criança.
Sinto o calor concentrado dentro de mim, afastar-se do sol que mo pôs na pele, rendido à frescura azul que me rodeia, plena de cheiro, de sabor e de mar.
As bolhas, tantas, tão transparentes dentro desta transparência azul imensa, sobem, libertas, procuram o sol e o ar a que pertencem.
Enquanto o meu corpo se relaxa e deixa a frescura vencê-lo, todos os poros se abrem, em rendição ao azul da primeira conquista, feita de arrepios e paixão.
E quando por fim procuro o ar que me falta e sigo o sol, as gotas brilhantes sobre a pele, resplandecem cúmplices de brilho e sabor, cobrem-me com um véu de múltiplos reflexos e eu sou apenas um ser de cristal, sal e mar, feita rainha.

domingo, 11 de abril de 2010

Sonhos redondos

Sonhos redondos e infinitos
Imitam o mundo redondo, lindo, azul, imenso
Trazem-nos dias líquidos de cores suaves
Rendilhados em filigranas húmidas de véus brancos
Feitos de nuvens e da espuma do mar
Gotas que se evaporam suavemente por entre os dedos de uma mão aberta
Pronta para dar e receber
Sonhar é abrir o peito e deixar o coração sair
Papagaio de papel, voador, aventureiro
Redondo e infinito, lindo, azul, imenso e livre
É aumentar o querer, torná-lo maior que o desejo
E acreditar que o mundo inteiro é nosso
E roda a nosso bel-prazer só porque queremos

terça-feira, 9 de março de 2010

Foi sem querer

Não sei quando foi que desisti de ti, foi sem querer, sem sentir. Foi brisa que passou por mim e te levou consigo, suavemente. Onda que te escondeu na sua espuma, sem forma aparente que te denunciasse, para que eu te salvasse. Sem resistência. Foste.
Gostaria de pegar na tua mão e levar-te comigo à descoberta do que fica para lá da linha do horizonte, mas não posso obrigar-te a dares-me a mão, nem tão pouco garantir o que juntos lá encontraríamos. Apenas gostaria de o descobrir contigo.
O tempo é inimigo do querer, passa independente, sem acção nossa para que ele avance. Não depende de nós, não se prende a um desejo, ignora-nos. Limita-se a passar por nós e segue sozinho.
Não sei se foi o tempo que trouxe o desalento, não sei se foste tu, ou se fui eu que simplesmente desisti. Como uma onda chega e alisa a areia revolta, tu chegaste e alisaste as rugas do meu sentir, fizeste de mim tábua rasa, criança inocente, folha branca à espera do teu escrever.
Mas o tempo passa e faltam-te as palavras e a vontade. A folha amareleceu com o tempo, a areia é fustigada por ventos e ondas e tem de ganhar novas formas.
Sem querer, o presente faz-se passado. E hoje não espero mais por ti.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Não

O não é uma palavra redonda, fechada, pequena e o mundo lá fora é tão grande! O não fecha-me a boca, desliga-me a mente e apaga-me o coração. Quantos nãos são precisos, quantas lágrimas têm de morrer a meus pés para me acordar para a vida, me espicaçar, me fazer gritar “basta” do alto do meu ser absoluto e soberano que se impõe por sobre uma cascata de nãos, repetidos nãos, tristes nãos, cobardes nãos? Quanto esforço desumano para transformar mil nãos num pequeno sim, tímido, mas que se faz forte, pequena luz nascida da força que me vem dos nãos ouvidos, vividos, sofridos numa vida que se faz de busca e de coragem do sim! Quantos nãos! E para quê, se o sim é tão mais fácil e tão mais feliz do que o não?

sábado, 16 de janeiro de 2010

Veludo e Paz

Veludo branco com arminho, suave ao toque da pele nua. Espaço liso, silêncio cristalino, amplitude imensa. Espaço infinito onde vive a paz, longe ainda. E que pressinto no voo de uma gaivota. No som das ondas sobre a praia. Num deserto branco de montanha. Nas pétalas macias de uma flor. Num sorriso de criança. Na descoberta de um sonho. No concretizar de um desejo. A paz que completa a felicidade que procuro, desesperadamente, em gritos que calo, em noites que perco em busca de mim, como se correndo chegasse mais depressa mesmo sem saber onde quero ir. Parto de repente e apenas porque não me reconheço no sítio onde estou. E não podendo ficar, fecho os olhos com força e corro em frente, sempre em frente, como se me esperasse a mim própria, ansiosa, na chegada, esquecendo-me de que não sei onde ela fica. Quanto desespero na busca dessa paz, esquecendo-me de olhar em volta para a calmaria de um mar azul de verão que fica quieto, entretido apenas a reflectir a cor do céu e que assim fica feliz. Em paz com o vento e as marés que o sacodem. Sendo apenas mar, reflexo do céu e isso lhe bastando. Não quero sofreguidão na busca da minha paz porque assim me perco no caminho. Quero apenas descobrir o lugar certo, num labirinto de pressas que me confunde a escolha. Quero apenas saber que tentei. Que fui. Colhendo e saboreando cada pedaço do caminho, passo a passo, segura de mim, mesmo sem saber onde é a chegada. Veludo branco, azul do mar imenso e silêncio cristalino. É assim que pressinto a minha paz, depois de todos os enganos. Se é tão importante ser feliz, porque é que me esqueci tantas vezes de tentar?

domingo, 10 de janeiro de 2010

Onde estás?

Frio. Silêncio. O mar está tão calmo que parece que toda a tormenta se refugiou em mim. O azul foge, quase cinzento, límpido e brilhante mas tão escuro nos meus olhos. Hoje o mar não me invade nem me chega. Sou areia que se escoa e se perde por entre os dedos da vida, não resisto, não vivo, não quero, não sou.
Esperei em vão. Por ti. Onde estás? Que vida é essa que é tão pequena em ti? Perdes os dias, perdes o tempo e o amor. Perdes-me a mim. E eu paro na vida e espero. Espero por ti. Até um dia, que eu acreditei ser para sempre, mas não foi.
E tu não vens. Tento acordar para mim, tão esquecida do que sou, perdida do que quero ser. Mal me conheço já. À força de querer chegar perto de ti, fui-me afastando de mim e agora encontro-me longe de mim e sem saber de ti. Onde estás?
A mágoa espalha-se, sorrateira, chega e não desiste. Pouco a pouco toma conta do tempo e pinta o sentir com cores diluentes que tudo apagam, menos a dor. Tudo escurece, até o mar sob uma lua cheia tornada de repente lua nova.
Olho para ti, adivinho os teus olhos, a tua boca, as tuas mãos, mas a mágoa não deixa que te veja. Tento ainda arrancá-la de mim para te ver, mas não consigo.
Perdi-me de ti, perdi-me de mim, morreu a esperança. Ficou a mágoa e o silêncio em mim. Onde estás?