quarta-feira, 1 de julho de 2009

Ericeira

Respira-se o mar no ar da Ericeira. É ar que carrega gotas de mar, salgado, que se acrescenta e materializa em nós, humedece os pulmões e suaviza o ser. É mar a crescer e a irromper por toda a vila, em cada praia, por sobre as rochas, em cada rua sentido. É mar que conquista ao primeiro olhar, nos tira a voz, nos domina. Que nos fala e nos obriga a escutar.
Tem várias caras mas uma só alma este mar.
No verão é irmão, deixa-nos brincar, oferece-nos as ondas, faz-nos crianças, trás memórias de infância, sente-nos eternamente jovens, como se o ontem pudesse ainda voltar amanhã. A cor e a luz inundam-nos de brilho, ferem os olhos, a brisa vive junto ao mar. Por vezes cresce e chega a nortada para nos lembrar que este é mar a sério, sem retoque. Ao longe o Cabo da Roca impõe-se, magnífico, vizinho amigo que nos mostra que aqui pertencemos ao mar mais do que à terra, que num instante esquecemos e deixamos para trás, virados que estamos sempre sobre o mar.
Mas no inverno este mar é dono e senhor do espaço e de cada um de nós. O primeiro olhar que dele me veio quando o meu nele pousou foi medonho, ameaçador, ocupado a defender-se do céu que num jogo de guerra, o envolvia em tempestade e trovões. Fiquei suspensa de cada relâmpago, tremi com cada trovão. Entendi o significado da imensidão, do absoluto, da beleza petrificante que pode haver na sua força. Rendi-me.
Aprendi que logo a seguir, porém, céu e mar fazem a paz. E céu e mar brincam, trocam brilhos, diluem-se num só. Por vezes o horizonte escapa-se, esconde-se, é o céu a querer ser mar, ou o mar a quer imitá-lo. Quando chove fundem-se ainda mais num só corpo, numa só vida, parede de filigranas estonteantes, tão próxima de nós que duvidamos da nossa capacidade de respirar. Outras vezes as nuvens chegam, cobrem o mar, parecem protegê-lo e logo vem o sol, a brincar, a rasgar por entre as nuvens para se precipitar no mar em cordas suaves de muitos brilhos.
Só aqui o céu tem este brilho, só aqui o mar em esta cor, que lhe chega porventura da alegria deste céu ter este mar por companheiro. E no entardecer, quando o mar acalma para se despedir do sol, este em troca transforma-se em mil cores para o acariciar e o prender ao seu regresso.
É neste mar companheiro que lavo os olhos de mágoas quando preciso de alívio para as minhas tristezas. É a ele que eu ouço quando preciso de alento. A ele confio os meus receios, segredos e anseios. Forte ou suave ele tem a minha alma.
Desde o primeiro olhar entendi que esta é terra de céu e mar em que o mar, mais pequeno que o céu porventura, nos transporta até à imensidão do infinito que nos cobre e nos faz pertença deste céu.
Entendi que este mar ama esta terra e é o mar que me fez amá-la também. E é tanto o amor do mar que o faz sair de si, evaporar-se, transportar-se com a cumplicidade deste céu, transformar-se em humidade salgada para assim se poder colar à terra, a acariciar e invadir, nevoeiro de mar, forma de amor.

7 comentários:

  1. Estavas inspirada amiga! ;-) Gostei de ler. Aproveita bem as férias.

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  2. Quando procuramos o que quer dizer uma palavra nos dicionários, por vezes não explicam exactamente o que quer dizer, nem sequer os seus melhores sinónimos.
    Se colocarmos este texto no dicionário descrevendo a palavra ERICEIRA, jamais alguém conseguirá descrever melhor...
    Aloha

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  3. grande texto... grande fotografia. as cores são magníficas. é belo o mar, o sol sobre o mar, o céu agarrado a acrescentá-lo até ao infinito. e também a forma como o descreves. guardas o mar em algum lugar imprevisível onde se guardam as coisas que não têm lugar.

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  4. O mar é sempre único... em qualquer lugar. Este é especial para mim porque é o mar que eu vejo todos os dias, 365 por ano. A foto foi tirada de uma janela da minha casa, a foto do mar do blog é da praia, 200 metros mais abaixo. Não poderia viver noutro lugar...
    Mas para além do mar, a Ericeira é única... por isso tem tantos amigos.
    Obrigada pelas vossas palavras!

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  5. Olá ainda não tinha escrito nada no teu blogue, bem antes tarde do que nunca. Quero te dizer que leio sempre que escreves e gosto bastante, da Ericeira tenho lá o meu coração, desde que mudei nunca mais fui a Ericeira tenho bastante saudade dessa terra. Muitos parabéns. Não gosto do cheirar gasolina muitos Km.

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  6. Obrigada pelo teu comentário que confesso só vi hoje (culpa minha!)
    Quem ama a Ericeira ama sempre, é daqueles amores que não há tempo nem distância que cure.
    Volta sempre!

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