sábado, 31 de outubro de 2009

Momento

Chego primeiro, hesito na escolha do lugar, decido esperar. Olho em volta, ouço o meu respirar, sinto cada poro que se abre para te receber, cada músculo suavemente contraído, como se cada pedaço de mim se quisesse mostrar e fazer presente neste momento. Como num exercício físico, cada ínfima parte do meu corpo é chamada à vida, trespassada pelo sangue e pela espera. Penso, “não devia ter vindo”, sabendo que nunca poderia ter deixado de o fazer. Sabendo que estou ali por ti e por mim, mas não por nós. Ainda assim, estou ali e espero por ti.
Eis que te sinto chegar antes de ter ver. E vejo-te então por entre a multidão, adivinho os teus passos, sinto-me invadida pelo teu sentir no momento exacto em que aprisiono o teu olhar, naquele segundo em que em simultâneo respiramos fundo sem conseguir libertar o ar dentro de nós, para assim alargar espaço e dar lugar ao coração que, de repente, nos sobra no peito.
E ficas preso a mim, ligado por um fio invisível, mas tão palpável, que quase chega a incomodar quem, apressado, passa entre nós. É este o momento mágico que dura um segundo mas vale por uma vida. O momento em que eu não sou ainda eu, nem tu és tu e em que tudo é ainda possível de acontecer e de vir a existir para sempre entre nós, o instante exacto em que sonho e realidade se cruzam, em que bastaria uma palavra mágica para todo o mundo ser nosso.
Mas eu sei quão breve é esse momento. Olhos que se perdem, mãos que não se dão, ar que por fim abandona o meu peito, coração que aceita sem sossegar, com revolta se cala e aprende contigo a fazer de conta que foi engano, que o amor afinal não mora ali.
E eu penso então que aquele momento talvez pudesse ser tudo, mas afinal não foi nada. E que o amor não existe no meu peito para ser negado, mas sim acarinhado. Realizo que não devia ter vindo e quando me alcanças, te inclinas para mim e me cumprimentas, tu não o sabes, mas eu já fui embora.

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